Há uma inteligência que só a arte nos dá...

"Há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental"

Excerto de Entrevista a José Gil

Por Vanessa Rato Jornal "Público", P2, Quarta-feira, 10 de Março de 2010

Lamento que não haja uma comunidade artística em Portugal. Os pintores, os artistas [em geral] isolam-se.

É sempre a história do espaço público. É uma coisa confrangedora como é que em Portugal as pessoas pensam sempre sozinhas. Eu próprio, todos nós a fazer as nossas vidas, as nossas "carreiras". É terrível isso.

Porque acha que acontece?

Não sei. Acontece na comunidade artística, talvez menos em certos sectores.

Talvez aqueles que são obrigados ao colectivo pelas especificidades do seu meio?

Exactamente. Estava pensar, por exemplo, na música...

Diria que tem a ver com a não pertinência da arte para a nossa vida.

"A não pertinência da arte para a nossa vida?"

Não há - mas não é só em Portugal, é talvez na maioria dos países - uma justificação imediata da produção artística na sociedade. Quer dizer que o ter uma cultura artística - e a cultura é diferente da arte - não é [tido como] fundamental. [Mas] é fundamental! Por exemplo, aqueles povos analfabetos, os povos "exóticos" ditos anteriormente "primitivos", têm uma arte e a arte tem uma "função" social imediata. Todos sabem o que é e como se utiliza uma máscara. É fundamental. Os objectos artísticos são fundamentais. Não são utilizados, apreciados e valorizados por uma pequeníssima comunidade ou grupo. Não! É a sociedade inteira. Isso passa e é formador da cabeça, da inteligência do mundo dessas sociedades. Entre nós, aquilo a que se está a assistir é a qualquer coisa que não se deve confundir com isso e que é - para empregar as palavras de um filósofo americano, o [Arthur] Danto - uma banalização, uma espécie de transformação do objecto artístico em objecto cultural, o que é terrível. Os movimentos contrários existem também, mas, na generalidade, o que se está a espalhar pelo mundo é uma espécie de "gadgetização" do objecto artístico. E com isso perde-se imenso.

Perde-se o quê?

Perde-se uma densidade de percepção da obra de arte que é necessária. Quando se expõem e se vendem aquelas [reproduções de] pequeninas esculturas... Nós aprovamos. É a democratização da arte, etc. Agora, garanto que se perde uma densidade e uma riqueza de percepção. Quer dizer: perde-se o silêncio. Nós precisamos de silêncio. E isto não são coisas muito profundas. O que é terrível é que se tenham tornado coisas profundas! São coisas evidentes! Estou-me a lembrar de um amigo etnólogo, francês, a trabalhar parece-me que no Senegal. Acontecia que um dos homens da região onde ele trabalhava no terreno vinha a Paris, batia à porta de casa dele, entrava, sentava-se e parece que ficava cinco horas sem dizer uma palavra. Cinco horas depois, levantava-se e dizia adeus, ia-se embora.

É outra maneira de estar. Tinha feito o que era necessário: retomar a amizade, no silêncio. O silêncio fala - haverá também uma linguagem do silêncio... Portanto, estamos a falar de coisas simples e que, de repente, se tornaram coisas esotéricas.

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